Não cresceu muito e percebeu isso quando teve de alcançar cada patamar seguinte do andaime posto na frente da Casa da Cultura. Subira aproximadamente 15 metros para atingir um brasão disposto no frontão Raio Norte da antiga Casa de Detenção. Verdadeiramente, estava com medo, pediu ajuda ao Frei Damião, que tinha morrido fazia pouco tempo e, como em vida sempre ajudou para a salvação das pessoas, não haveria de faltar naquela grande chance de fazer uma descoberta. A primeira “Odisséia” confiada pelo chefe do Departamento de Tombamento. Usando um bisturi, foi removendo, em pequenos trechos, uma a uma das camadas de tinta. Seu olhar atento traria à luz uma grande surpresa: o brasão estava com algumas mutilações e continha materiais distintos. Talhado em placas de arenito, continha um leão de gesso na parte superior acima do núcleo que por sua vez era de argamassa. Foram tiradas algumas fotografias. O trabalho apenas se iniciara. Um mergulho na História traria explicação para as origens daquele brasão híbrido descoberto. Seguiu com a análise morfológica comparativa entre o que estava lá, o brasão do Império e o brasão de Pernambuco. O leão levara a crer que seria o escudo das armas de Pernambuco, mas diferentemente do que se esperava, ao invés de cana de açúcar e algodão, de um lado estava um ramo de fumo e do outro um de café. Um brasão já é em si um símbolo ou uma representação o encontrado sugere que ali houve uma tentativa de descaracterizar o símbolo do império e substituí-lo pelo símbolo de Pernambuco. Isso há de querer significar algo. Enquanto procurava incansavelmente desvendar o mistério em arquivos e bibliotecas, aguçou ainda mais o olhar observando em fachadas, pontes e onde mais eram dispostos os símbolos das amas do seu País e do seu Estado de nascimento. Dormindo confirmava a hipótese: o brasão do Império foi destruído, por ser um insulto aos movimentos libertários pernambucanos. As datas e fatos lhe apareciam como se tivesse em um redemoinho, entrando por um túnel do tempo. E, assim recuou até 24/11/1859, dia da visita de D. Pedro II à Casa de Detenção do Recife, o engenheiro Mamede Ferreira apresentava ao Imperador a obra inacabada por falta de verba e falava entusiástico de outras construções tocadas por ele, como o hospital, nos Coelhos, e o Ginásio Pernambucano, e até, numa pitoresca capela no Cemitério de Santo Amaro. Nessa hora, teve vontade de cumprimentar o engenheiro e dizer que era sua fã, dizer que de fato as obras dele ainda cem e cinqüenta anos depois estão solidamente edificadas na paisagem do Recife, com arrojo e beleza e em pleno uso, com a diferença de que aquela ali, já não era mais uma cadeia, cada cela havia sido transformada em uma loja de artesanato e apenas uma havia ficado quase intacta, para registro histórico. Agora era um espaço cultural. Expunha um enorme painel de Cícero Dias, sobre revolucionário Frei Caneca, representando através da pintura dois momentos da História: 1817 e 1824. Nesta hora, quase gritou: - É essa mesmo a vocação deste prédio de planta cruciforme, lembrar a arte e os movimentos libertários de Pernambuco. Foi nesse momento que se deu conta de que estava fora daquela época e não conseguia, sequer, ser vista pelos presentes, sossegou e passou apenas a acompanhar os fatos do alto do observatório na interseção da cruz formada pelas alas da antiga prisão, chamadas de raio leste, oeste, sul de norte. Sendo este último a entrada principal, à margem do Rio Capibaribe. Voltou-se para o rio. Nesta hora, o rio lhe falou, como se adivinhasse seus desejos: - Pode perguntar, o que quer saber? Quase não acreditou. Era tudo que queria. Pediu que descrevesse a cena da transformação sofrida pelo brasão. Tão excitada que estava, antes mesmo de ouvir o testemunho tão desejado passou ela própria a descrever a cena imaginada: - “Após essa visita de D. Pedro II, o império resolveu assumir a conclusão da obra, o que se deu em 1867...Nesta ocasião, vigorava o brasão com a esfera armilar e a cruz de malta, que na República foram removidas do núcleo do brasão e, nesta remoção, até uma estrela foi decepada...Só depois é que, em 1895, passou a vigorar o Brasão de Pernambuco...Tentou-se, nessa ocasião, fazer a confusão de colocar no lugar da coroa mutilada, o leão em gesso, símbolo de Pernambuco. Só então perguntou ao rio, sentindo quase a certeza de que receberia uma confirmação: - Foi assim que aconteceu? O rio parecia-lhe sorrir e disse: - Você deve saber que o prazer de encontrar está na busca. Ao contemplar suas águas, entendeu que para o pesquisador o rio pode ensinar a não desistir nunca, continuar agregando o conhecimento e refletido luz para que as pistas encontradas possam ser retomadas por outros, caso ele não chegue ao documento definitivo. Teria sido apenas um sonho?...Mas fora tão nítido, tão esclarecedor...
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